30 novembro, 2009

Distorção

A: demorou.
B: dei um tempo antes de entrar, tinha um cara suspeito aqui em frente; jeito de bandido.



     Presenciei hoje este diálogo entre duas amebas colegas de faculdade. Assim que a 'B' terminou a frase, eu entendera o que ela quis dizer. Assim como você também deve ter entendido.
     Mas após alguns segundos (na verdade foram minutos – nos quais eu devorava um pão-de-queijo substituindo minha vitamina de café da manhã.) fiquei com vergonha. Vergonha de mim, vergonha delas, e principalmente vergonha da nossa maldita sociedade. Se você ainda não entendeu, eu explico; e caso tenha entendido eu explicarei mesmo assim.
     A minha vergonha (não tenho certeza ser essa a palavra adequada) vem dos malditos (famosos e recorrentes) rótulos que criamos todos os dias, a todos os momentos - mesmo sem querer, mesmo sem saber.


     "Jeito de bandido" - defina, amiga, por favor! Não sei se ela quis dizer que o moço tinha barba mal feita, pele castigada da vida e modos simples - mas pensando bem esse poderia ser nosso excelentíssimo presidente em início de carreira (na época boa, diga-se de passagem). Ou quem sabe ele tinha cabelos compridos e despenteados, um cigarro no canto da boca e um pulôver duas vezes seu tamanho sobrepondo os jeans rasgados (seria Kurt Cobain?!)...
     Enfim, exemplos são abundantes - e todos absurdos. Digo isso pois a minha reflexão é justamente: que merda de sociedade é essa em que vivemos, onde a tua cor de pele, corte de cabelo, jeito de andar, vestir(...) definem quem tu é, ou ainda mais: o teu caráter? (sim sim, a velha pergunta eternamente sem resposta~)


     Aparências, aparências, aparências.


     É disso que o mundo dito 'moderno' se sustenta(?). E vai desde a bolsa de doze mil euros feita sob medida até o celular que conecta Novo Hamburgo à Ulaanbaatar via satélite da NASA em apenas 3 segundos (pra quê mesmo?) - passando por uma infinidade de incitáveis ítens.
     Aonde-é-que diz que pessoas que usam nike ou melissinha são menos propensos à desonestidade? Nunca li a Bíblia, mas tenho quase certeza que lá não menciona nada disso. Nem no Alcoorão, nas pirâmides egípcias ou ainda nos ensinamentos de Shiva.

     Não nego a existência de desigualdades sociais; nem que as pessoas à margem da tão pomposa sociedade se encontram muitas vezes em condições desesperadas, quase convidativas à criminalidade (mas isso é assunto para outro(s) post). Não acredito porém no molde do caráter pela classe social - não.
     Se fosse assim nossos engomados (des)representantes no poder deveriam ser exemplos à seguir (algo à dizer?), ou talvez aquele sujeito na sinaleira devesse avançar no seu carro levando sua carteira de uma vez - pra quê pedir com educação por meia dúzia de moedas não é mesmo?


     Este assunto pode se desdobrar, e tresdobrar, e transbordar... Mas entendo que meu recado foi passado, e minha indignação amortizada. (inspira, expira. inspira, expira)
    Mas digo para minha amiga 'B' (e também pra vocês, por que não): a próxima vez que cruzares na rua com alguém que preencha no seu cérebro algum rótulo negativo, pensa que essa pessoa pode ser muito mais inteligente que você, mais culta, mais habilidosa com instrumentos, mais divertida, ou quem sabe mais feliz.
     Da próxima vez, ofereça um sanduíche; um cigarro, um copo de bebida e até seus sapatos. Lembra-te que o poder de adquirir tais coisas não faz de você uma pessoa melhor, apenas uma peça com posição diferente no tabuleiro.



     E nesse jogo ganha quem conquista mais peças, e não quem adquiri mais território.

2 comentários:

Kika disse...

Muito bom!
Aposto que se ela cruzasse com o Cacciola, que usa gravata italiana e Rolex, não diria que ele tem jeito de bandido...

Ila disse...

Sooo Nice, priminha!
Touching and reflexive.
I like it! And will come back.



Beijo grande!